Falando Sobre... Contas a Pagar e os ERP
Quero começar este artigo detalhando dois casos.
Caso 01: Um amigo meu, dono de uma pequena empresa Prestadora de Serviços
Técnicos, foi contratado por uma grande empresa nacional para realizar um
serviço, que, na época, tinha um valor de R$15.000,00.
O serviço foi realizado a contento e a empresa emitiu a Nota Fiscal,
sendo que o pagamento iria ocorrer por Depósito Bancário, num prazo de 10 dias
úteis. Ela já era fornecedora habitual desta empresa e os pagamentos sempre
eram feitos assim.
Dentro deste prazo a empresa fez o pagamento de R$1,5 milhões (cem vezes
o valor contratado). Esse meu amigo verificou o fato e ficou aguardando um
posicionamento da empresa.
Duas semanas havia se passado e ninguém da empresa cliente (de grande
porte, com um excelente ERP implantado há anos) percebeu essa falha.
Esse meu amigo notificou o erro a empresa, e percebeu, ao relatar o
fato, que ninguém viu isso como um grande problema… parecia que era um “pequeno
ajuste” a ser feito.
Caso 02: O Chefe Financeiro de uma pequena softhouse de ERP tirou férias,
e o Diretor da empresa ficou no lugar dele.
Aproveitando a situação, esse Diretor decidiu “passar o pente fino” nas
contas da empresa e descobriu vários erros acontecendo com uma certa
frequência, tais como: contas sendo pagas duas vezes; contas sendo pagas
atrasadas, gerando multas e juros, mesmo quando a empresa tinha dinheiro em
caixa disponível; contas recorrentes importantes com interrupções de pagamento
(conta não paga há meses atrás e contas recentes sendo pagas); e assim por
diante.
Um ponto relevante nisso tudo é que o ERP da softhouse era muito
bom, com recursos muito interessantes na Gestão Financeira, e o Diretor da softhouse,
mesmo tendo um bom conhecimento sobre o assunto, com o passar do tempo, não
percebeu os pontos de risco que a própria empresa dele tinha e que estava
ocorrendo uma erosão de uso do ERP.
Ao ver esses dois casos conseguimos perceber alguns pontos relevantes
sobre os Contas a Pagar (e quase todos os outros processos) das empresas, que
são:
=> Ter um ERP bom é importante, mas não é garantia de sucesso no
processo;
=> Tão importante quanto ter um bom ERP é implantá-lo adequadamente;
=> Você tem várias formas de fazer um processo acontecer com o mesmo
ERP;
=> Por melhor que você tenha implantado um processo no ERP, sempre
pode ocorrer erosão de uso;
=> Mesmo com tantas automações possíveis e sendo realizadas, as
pessoas são fundamentais para o sucesso dos processos.
Com um grau maior ou menor de riscos, com maior ou menor volume
trafegado, todas as empresas precisam executar o processo de Contas a Pagar, e,
de acordo com a realidade da empresa e o ERP que ela tem, existe uma série de
possibilidades de trabalho que precisam ser analisadas, escolhidas e
implementadas.
Contas a Pagar é um processo que, a princípio, deveria estar plenamente
dominado pelas empresas… mas, “deveria” não significa que está. Vemos muitas
empresas vivendo esse processo com algum grau de risco de erro ou de dano
intencional, sendo feito com práticas inadequadas e/ou com eficácia menor do
que poderia ser. Vamos falar sobre isso!!!
Como Funciona Um Processo de Contas a Pagar?
Em linhas gerais, funciona da seguinte forma: uma necessidade real,
planejada ou potencial de pagamento surge devido algum motivo (compras,
indenizações, impostos, etc.), essa necessidade de pagamento é inserida
automaticamente ou manualmente no Contas a Pagar dentro do ERP. Com base em
regras de negócio estabelecidas, decisões são tomadas, tais como se vai pagar
ou não uma determinada obrigação financeira, quanto vai ser pago, quando, de
que forma, quem vai fazer o pagamento, em qual(quais) conta(s) (financeira,
gerencial, orçamentária e/ou contábil) vai ser debitado o valor, etc. Depois disso a obrigação de pagamento pode ser encerrada ou ser tratada devido a eventuais divergências encontradas ou geradas (pelo não pagamento ou pagamento
parcial).
A essência é muito simples, mas existem várias nuances que precisam ser
analisadas em cada caso.
Por exemplo, numa distribuidora que só faz compra de materiais para
atender às vendas previamente realizadas e pagas, o processo de Contas a Pagar é
muito simples, pois, a princípio, sempre vai ter caixa disponível para atender.
Já num curso profissionalizante, que trabalha com treinamentos de
parceiros, onde a remuneração do parceiro é mensal, mas os seus treinamentos
são pagos em até dez parcelas e é totalmente baseado em resultados, a definição
de quanto tem que ser pago é uma informação sensível e sujeito a falhas.
Em uma empresa de Consultoria, onde a equipe utiliza cartões de crédito
próprios e da empresa para o pagamento das despesas do dia a dia em viagens,
onde as regras mudam de acordo com cada projeto ou região geográfica, o
processo de Contas a Pagar precisa ter uma etapa bem consolidada de verificação
das informações disponíveis, sem contar que cada pagamento efetuado tem
uma alocação orçamentária muito rígida.
E assim por diante, cada empresa tem características próprias para o
mesmo processo de Contas a Pagar.
E
Como o ERP Suporta (ou Deveria Suportar) Este Processo?
Até em empresas do mesmo segmento, encontramos no mercado muitos
gestores financeiros com ideias muito diferentes de como a sua empresa deveria
trabalhar com o Contas a Pagar. Às vezes eles estão bem embasados, outras vezes
não. Da mesma forma encontramos ERP melhores do que outros, com recursos
diversos, bons agrupamentos e possibilidades interessantes de visualização das
informações, ajustes de campos e de regras. Vamos falar sobre algumas
características que considero como mais relevantes.
01) Autorizações de Pagamento
A possibilidade de colocar no processo bloqueios de pagamentos conforme
regras é muito interessante e nem sempre é bem explorado pelas empresas e pelos
fornecedores de ERP.
Pagamentos podendo ser realizados em datas específicas e/ou variadas
conforme as características da obrigação financeira ou de sua origem;
autorizações de pagamento sendo realizadas por mais de uma pessoa conforme o
valor a ser pago e autorizações de pagamento sendo feitas por uma ou mais
pessoas específicas conforme a origem da obrigação (se veio de um determinado
projeto/contrato, se está relacionada a uma determinada conta orçamentária,
etc.), são as mais requisitadas.
Sem contar as situações onde obrigações estouraram limites orçamentários
ou gerenciais e que precisam ter uma aprovação diferenciada para ser paga.
Entretanto, é muito comum vermos ERP somente com as funções mais básica
de autorização por uma ou mais pessoas e encontramos um número razoável de
sistemas com recursos de assinatura eletrônica para efetivar tais pagamentos.
Já me deparei com vários casos onde o ERP tinha alguns dos recursos
descritos, mas os gestores decidiram não colocar no processo qualquer bloqueio
(indiferente do valor, se está planejado e tem dinheiro no caixa o funcionário
pode pagar).
02) Alocação das Obrigações a Pagar em Diversas
Contas de Classificação
De uma maneira em geral, vemos empresas bem geridas chegando até a
trabalhar simultaneamente as classificações de pagamentos das suas obrigações
em Contas Financeiras, Contas Contábeis, Centros de Custos/Resultados, Contas
Orçamentárias, Contas Gerenciais e Contas de Contratos/Projetos.
Essas empresas bem geridas utilizam todos (ou quase todos) esses
controles nas suas operações, mas a grande maioria… posso estimar em mais de
50%, trabalha, no máximo com Centros de Custos/Resultados e os outros quase
50%, trabalham com dois ou três tipos de alocações simultâneas, mesmo quando os
ERP oferecem mais opções de alocações.
Pode ser que a decisão de não classificar de forma detalhada os
pagamentos realizados seja a mais assertiva para um determinado momento da
empresa, mas isso tem um preço.
É muito comum ver esses gestores de empresas que não alocam tempo e
energia do pessoal para classificar melhor os pagamentos falarem, em algum
momento, que precisavam ter mais controle sobre as suas operações, que isso
estava levando-os a tomarem decisões ruins, mas não sabem como fazer isso.
Também é muito comum conversar sobre o assunto com os donos de softhouses
de ERP e eles falarem que não colocam esses recursos porque ninguém usa.
Para ambos quero dizer que empresas bem geridas financeiramente utilizam
intensamente as classificações das obrigações, e os principais e melhores ERP
de mercado disponibilizam as várias opções de classificação das obrigações.
Vocês estão em algum desses grupos? Querem estar neles?
03) Pagamentos de Obrigações Com Várias Obrigações
Associadas
No momento que você paga uma fatura de cartão de crédito com vários
itens distintos como papelaria, passagem aérea e restaurante, ou quando você
paga um boleto vinculado a uma Ordem de Compras, que foi gerada por várias
Requisições de Materiais distintas e com inúmeros fins, você precisa garantir
que sejam feitas as classificações certas de cada proporcionalidade de valor da
obrigação paga.
Quando falamos de uma obrigação com origem no sistema (uma Ordem de
Compras, por exemplo), imaginamos que o ERP já vai se encarregar de todo
o processo, mas infelizmente isso não ocorre na maioria dos sistemas do
mercado.
As devidas vinculações das Ordens de Compra e das Requisições de
Materiais podem até ocorrer… reforço o “pode ocorrer”. Já vi várias falhas
grotescas neste sentido em muitos sistemas, mas não significa que tais
informações vão ser colocadas nos lançamentos das obrigações à pagar, na
realidade quase nunca isso ocorre automaticamente.
Em condições ideais, os ERP tem que ter meios de fragmentar cada linha
de uma obrigação com vários lançamentos e fazer os devidos controles separados
e em conjunto, tendo as suas classificações sugeridas automaticamente.
Mas mesmo sem este recurso, cabe ao pessoal do Contas a Pagar fazer os
lançamentos manuais associados. Sei que isso dá trabalho, mas o pior é não ter
as informações para controle e para as tomadas de decisão.
04) Pagamentos de Obrigações Com Outras Complexidades
Associadas
Os pagamentos de faturas de cartões de crédito são sabidamente um processo
complexo (uma parte foi descrita acima), mas existem outros tipos de pagamentos
que também têm as suas peculiaridades, como pagamento de boletos com split de
vendas (gerando duas ou mais Notas Fiscais associadas), pagamentos associados a
permutas e pagamentos com títulos públicos, ações de empresas, criptomoedas,
pontos de benefícios, etc., que além de ter flutuações significativas de
valores, cujas as fontes podem não ter padrões rigorosos ou confiáveis, podem ter
critérios de uso e necessidades mais detalhadas de classificações.
Um grupo significativo de fornecedores de ERP respondem a essas
situações afirmando que tem flexibilidade na sua camada de negócio e que pode
ajustar (por um simbólico valor) tudo que o cliente quiser neste sentido… VAMOS
PARAR COM ISSO!!! Esse tipo de transação tem que vir nativamente no ERP. Ao
gerar esse tipo de customização (mesmo que não seja feita sem programação
direta na parte central do sistema ainda é um tipo de customização), você está
dependendo do conhecimento dos usuários em geral sobre o assunto, que, na
grande maioria dos casos, eles têm menos condições de fazer isso que os
profissionais de ERP.
05) Negociações de Pagamentos
No dia a dia das empresas, várias situações podem gerar a necessidade de
negociar e renegociar pagamentos, seja por problemas de qualidade dos
produtos/serviços comprados, falhas no prazo de entrega, crises da empresa,
inadimplência de clientes, etc., e cabe aos ERP terem recursos para administrar
isso.
Não estou falando só do recurso de abrir um campo texto para registrar a
negociação feita e de campos textos (ou até mesmo com links) para acionar as
novas obrigações a pagar geradas com a negociação. Isso funcionava no passado.
Precisa ter uma estrutura muito melhor articulada com a garantia da
rastreabilidade das obrigações de origem (e dos seus fatos geradores),
aprovações de negociações de forma rápida e assertiva utilizando fluxos
de controle, a capacidade de gerar simulações diretas de fluxo de caixa e ainda
meios diretos para administrar juros, multas, acréscimos e glosas (descontos).
Caso o seu ERP não tenha isso, abuse dos registros de textos e tome
muito cuidado com as estruturas de classificações das obrigações resultantes
das negociações. Um problema muito comum é a dificuldade de classificar (nas
contas contábeis e gerenciais), de forma prática, as glosas obtidas.
06) Regime de Caixa, Competência ou Gerencial… Como
Ver Isso nas Obrigações a Pagar?
É impressionante a dificuldade dos gestores das empresas e dos
profissionais dos fornecedores de ERP de entender, controlar e aplicar as
obrigações financeiras com base no seu regime (Caixa, Competência ou
Gerencial).
Somente para ilustrar vou utilizar um exemplo. Uma determinada empresa
que trabalha por contrato, comprou 10 smartphones para o seu pessoal no dia
20/04. O valor da compra foi de R$10.000,00. Ela efetuou a compra por cartão de
crédito corporativo e pagou em 5 parcelas sem juros, com o primeiro pagamento
de R$2.000,00 em 10/05. Esses smartphones foram para o estoque da empresa, e no
dia 20/08 foram alocados no contrato que solicitou a compra. No que se refere ao
Caixa, terá 5 saídas mensais de R$2.000,00 cada a partir de 10/05 (foi o
serviço de Cartão de Crédito que pagou inicialmente a compra e não a empresa),
por Competência, a empresa teve um “gasto” (podemos chamar aqui de compromisso
de gasto) de R$10.000,00 no dia 20/04, mas, no Regime Gerencial, somente em
20/08 que o contrato gerador da obrigação teve o seu “gasto”. Antes disso esse
“gasto” era da empresa, inclusive quando vemos esta situação de forma contábil.
Como trabalhar essas informações facilmente dentro dos ERP? Todos os ERP
trabalham nativamente o Regime de Caixa, uma quantidade razoável de ERP
trabalha, de alguma forma, certa ou não, com as informações da Competência, e
poucos ERP trabalham com o Regime Gerencial (até mesmo os ERP que se predispõem
a trabalhar com a Gestão de Contratos/Projetos).
O problema é que a grande maioria dos ERP tem dificuldades de utilizar
adequadamente essas informações nas suas ferramentas de gestão, seja de forma
processual ou com meios eficazes de mitigar os riscos de erros operacionais,
como no Fluxo de Caixa e nos DRE (Demonstrativos de Resultados do Exercício).
Poderia ficar aqui e falar contigo sobre inúmeras outras situações dos
processos de Contas a Pagar que precisam ter um tratamento mais adequado para
operar com mais segurança e praticidade, mas acredito que os pontos que
descrevi acima já vão ser significativos o suficiente para que seja repensado
alguns valores dos seus processos e sistemas. A intenção era essa.
Quero que você entenda algumas coisas:
=> O seu ERP pode não ser perfeito no suporte do seu Contas a Pagar,
mas você precisa extrair o máximo do que tem para garantir a sua melhor gestão.
=> Fique atento as erosões de uso do ERP. O fato de você ter
implantado o processo adequado num certo momento, não significa que ele esteja
bem agora. O Contas a Pagar costuma apresentar frequentemente este tipo de
problema.
=> As pessoas falham e tem pessoas que são mal-intencionadas. Não
deixe de monitorar tudo.
=> Ajude o seu fornecedor de ERP a melhorar o seu sistema de Contas a
Pagar (isso serve para todos os processos). Você também vai sair ganhando com
isso.
Mãos e mentes à obra!!!
Gratuito: Curso EAD de Visão Geral
de ERP
Gratuito: Livro Falando Sobre ERP
Gratuito: Clube do ERP (LinkedIn)
Mauro Oliveira
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