Falando Sobre... Qualidade e os ERP
Nas
décadas de 80 e de 90 vimos nascer grandes movimentos pela busca da Qualidade
nas operações das empresas privadas e públicas em todo o mundo, sendo essas
buscas por instrumentos estruturais de obtenção dessa Qualidade nos
produtos/serviços e nos processos.
Várias
técnicas foram desenvolvidas, várias certificações foram criadas (onde destaco
a ISO 9.000) e vimos evoluções partindo de Controle da Qualidade, passando pela
Garantia da Qualidade e chegando até a Gestão da Qualidade. Para tal, foram
desenvolvidos vários grupos de processos, como: inspeções, auditorias,
melhorias contínuas, etc.
Tive a
oportunidade de vivenciar várias ações na área da qualidade em empresas de
diversos portes e segmentos. Comecei a minha carreira trabalhando em Sistemas
da Qualidade na área Nuclear (pelo IBQN, na Usina de Angra 2), depois conheci
modelos de qualidade na área de eletro-eletrônica, trabalhei com as Boas
Práticas de Fabricação da ANVISA para empresas de Cosmética. Higiêne e
Farmacêutica (também fui professor desse tema por alguns anos), participei de
implantações de ISO 9.000 (inclusive como Auditor), atuei em projetos de
sistemas da qualidade na área alimentícia e de logística e de 2015 a 2017 eu
interagi bastante com sistemas da qualidade na área de educação e de serviços.
Isso me deu uma visão bem abrangente sobre o tema e vi a importância da
Qualidade nas operações das empresas.
Por isso,
posso afirmar que o mundo do ERP não evoluiu na mesma proporção que as
necessidades para a área da Qualidade das empresas. Muitos ERP de mercado não
tem nenhuma atividade nesta área, outros trabalham atendendo as necessidades
mais básicas de Controle da Qualidade, alguns poucos ERP atendem a Garantia da
Qualidade e raríssimos ERP de mercado conseguem atender a Gestão da Qualidade.
Todos se
apoiam nos seus ecossistemas, se associando à Sistemas Especialistas. Mas como
eles se comportam? Vamos falar sobre isso!!!
ENTENDENDO UM POUCO
MAIS SOBRE QUALIDADE
A
definição sobre Qualidade que mais gostei foi: “Qualidade é quando os clientes
voltam e os produtos não.”. Realmente ela resume muito bem a ideia, mas, outras
definições que falam sobre “qualidade é um grau de conformidade de
produtos/serviços com especificações…”, “qualidade visa a satisfação do
cliente…”, “qualidade refere-se a composição dos atributos e do valor do que é
ofertado... “, etc. Todas elas também expressam o termo qualidade nas empresas.
De uma
forma bem sucinta, o Controle da Qualidade tem o foco de assegurar que os
produtos/serviços saiam em conformidade com as especificações definidas; a
Garantia da Qualidade atua nos processos para que, a partir deles, a
conformidade dos produtos/serviços ocorram e a Gestão da Qualidade foca em
sistematizar a qualidade dentro dos negócios, para que ela seja adotada em cada
ação da empresa.
A grande
maioria das empresas buscaram, e ainda buscam, a implantação de algum nível de
Qualidade nas suas operações, para
atender a uma obrigação legal ou para conseguir uma certificação de sistema da
qualidade (seja devido a uma visão mercadológica ou para atender os desejos de
um gestor da empresa).
Mas
infelizmente, poucas empresas realmente interiorizaram a real importância da
Qualidade para os seus negócios e com isso, as suas demandas de sistemas que
suportem estes processos (dentro ou fora do ERP) ficam no nível mais básico
possível.
QUALIDADE E OS ERP
Quero
comentar contigo agora sobre algumas ferramentas e processos que considero como
mais básicas da Qualidade, porém de extrema relevância para muitos segmentos de
negócio.
01) Inspeções
Esse é o
elemento mais básico da Qualidade. A capacidade de monitorar se um determinado
produto ou serviço está sendo produzido dentro de uma faixa de parâmetros.
Essas
inspeções ocorrem no recebimento de materiais/serviços, durante a execução dos
processos, no produto estocado ou depois/durante a entrega de
produtos/serviços. Em alguns negócios há também inspeções dentro das
instalações dos fornecedores, antes dos produtos/serviços serem entregues.
O que
normalmente acontece:
=>
Quando o ERP tem esse recurso, ele está dividido em Inspeção de Recebimento e
Inspeção de Processo ou somente Inspeção (abrindo manualmente as inspeções e
associando-as aos fatos geradores das mesmas).
=>
Muitas das Inspeções tem somente o registro de Aprovado/Reprovado sendo que
alguns tem o recurso de Aprovação com Restrições (onde aparece um texto para
explicar o que houve).
=> Em
vários casos, que tem locais para indicar os valores levantados durante a
inspeção, essas informações são apenas textos, sem uma aplicação direta para
análise manual ou automatizada.
=> A
maioria dos ERP carecem de meios simples de verificação e de alerta do momento
para a inspeção ser realizada.
O que
poderia ser feito facilmente:
=>
Incorporar as Inspeções aos fluxos de processos. Quando um ERP tem um Roteiro
de Processos (mesmo que simplório) isso já ajuda nas atividades operacionais,
mas, ter recursos de BPMS (Business Process Management System), dentro ou
associado ao ERP, e as Inspeções serem componentes de fácil associação aos
processos, faz a total diferença.
=>
Garantir que os dados das inspeções sejam variáveis a serem tratadas em
análises, já traz inúmeras possibilidades… e fazer isso é muito fácil.
=>
Implementar recursos de Controle Estatístico de Processos, alimentado pelas
informações das Inspeções, faz com que as empresas tenham benefícios incríveis.
Existem inúmeras formas de fazer isso, mas eu adoro as antigas normas NBR 5426
e NBR 5429 (e todos os documentos associados). Elas passam uma boa orientação
de uso.
=>
Flexibilidade na modelagem da Inspeção a ser feita, inclusive com
possibilidades de definições dos campos de informação, redefinições de fluxos
com base nos resultados e mudanças de severidade com base em contextos.
02) Tratamento de Materiais Por Status
A simples
possibilidade de colocar Status nos materiais já ajuda, e muitos ERP já fazem
isso, mas, ter tratamentos por Status é outra história.
Se o
Status de um material for “Bloqueado” o que ocorre com ele no ERP? E se tiver
motivos diferentes de bloqueios, pode ter fluxos diferentes? Isso é fácil de
construir e de atualizar no ERP? posso tratar também por famílias de materiais?
Agora
pense nos materiais de Contra-prova, de Controle Refrigerado, Aprovados com
Restrições, Aguardando Reanálises, etc.
Como o
seu ERP está tratando isso? A grande maioria tem dificuldades.
03) Tratamento das Validades dos Materiais
Muitas
das operações que lidam com materiais que tem validade, existe alguma
legislação obrigando a realizar algumas ações com eles, mas muitos ERP, que se
posicionam em atender a esses segmentos, não atendem a essa demanda ou eles
atendem parcialmente.
Que
demandas são essas?
=>
Movimentação de materiais por FEFO (First Expired First Out - O primeiro a
expirar é o primeiro a sair), que é diferente do tradicional FIFO (First In
First Out - o primeiro a chegar é o primeiro a sair). Além de exigir controles
automatizados específicos, com o uso de mais informações que o normal, também
vai impactar nos controles de Custos e Contábeis. Já vi empresas realizando o
FEFO em ficha KARDEX porque o ERP dela não tinha este recurso.
=>
Restrições de disponibilidade por períodos de tempo para fechamento da
validade.
=>
Reanálises de produtos e de materiais com validade vencida ou a vencer.
04) Tratamento das Não-Conformidades (NC)
Uma
Não-Conformidade aconteceu. E agora?
Muitos
ERP não tem nada que suporte isso, outros conseguem abrir uma NC no sistema,
mas somente permitindo colocar textos para relatar o ocorrido e o que foi
feito. Eventualmente até possuem alguns campos para registrar informações sobre
associações a Ordens de Produção/Ordem de Serviços, pessoas envolvidas e
apontamento (em texto) dos recursos consumidos.
Precisamos
ir um pouco além!!!
=>
Desenho de fluxos de tratamento das NC conforme o tipo e as atividades
envolvidas, inclusive com aberturas de Ordens de Produção e/ou Ordens de
Serviços.
=>
Análise apurada dos custos das NC, com a possibilidade de visões agregadas e de
tendências.
=>
Possibilidade de associar as NC a qualquer atividade da empresa suportada pelos
ERP… por exemplo: porque não tratar as NC das ações de pagadoria da empresa?
05) Auditorias
Esse é um
grupo de processos muito interessante, que pode apoiar a empresa em
praticamente todas as suas ações, inclusive as relativas aos seus Sistemas da
Qualidade.
É
tipicamente tratada por Sistemas Especialistas sem nenhuma interação com o ERP.
Para mim isso é um grande desperdício.
De uma
maneira bem simplista, a Gestão das Auditorias trabalha com recursos básicos de
Planejamento e Programação de Auditorias, com algumas análises de restrições
para a composição do time de Auditores.
As
Auditorias são montadas através de formulários padrões e informações colhidas
por ações anteriores (que pode ter sido de outras Auditorias) e por desk study
(estudo de normas, leis, etc., que sejam associadas).
Cada
auditoria corre de acordo com o planejamento e um relatório é produzido,
gerando uma série de Não-Conformidades (NC) e Ações Propostas.
Agora
coloque tudo isso integrado às demais operações do ERP. Conseguiu ver as
vantagens?
Qual a
dificuldade de fazer isso? Por que as softhouses não fazem esse grupo de
processos nos seus ERP? A maioria dos gestores das softhouses que conversei,
dizem que os seus clientes não estão interessados nessa funcionalidade. Tem
gestores de empresas que mesmo precisando realmente não valorizam as
Auditorias, mas muitos ficariam felizes em ter isso dentro do ERP e estariam
dispostos a pagar um preço justo… justo… e não todo o custo de desenvolvimento.
06) Reclamações dos Clientes
Indiferente
do setor que você atua, sua empresa, em algum momento, terá um cliente com
alguma reclamação, seja esta reclamação com ou sem fundamento para acontecer.
Alguns
tipos de negócio, as empresas podem ter uma reclamação por ano e em outros
podem ter uma reclamação por segundo (às vezes até mais). Indiferente de
qualquer coisa, os ERP deveriam ter uma estrutura de apoio na coleta,
tratamento e análise das reclamações. Muitos ERP até tem isso, mas com recursos
muito resumidos e manuais.
Para
direcionar o assunto para um nível interessante, quero sugerir que você veja os
processos trabalhados pelo Itil, que é um grupo de conhecimento muito utilizado
pelos bons suportes de TI e que se encaixa muito bem a este propósito.
Menos do
que isso é perda de oportunidade de fazer um bom trabalho.
07) Melhorias Contínuas
No
passado era comum, no meio da Qualidade, falarmos de Ações Corretivas e Ações
Preventivas, com a evolução (principalmente da ISO 9.000) o termo Melhorias
Contínuas passou a ficar a frente do dia a dia, porém a sua essência é a mesma,
e está tratando dos mesmos assuntos, só que com um enfoque mais gerencial e
abordando a empresa como um todo.
Você
encontra alguns ERP com módulos de Melhorias Contínuas (alguns até bem
razoáveis), mas ainda vemos sistemas com Ações Preventivas e Corretivas sendo
comercializados… não tem nada de errado nisso, é somente uma questão de
entender como o mercado está enxergando o assunto, e se adequar.
O
problema que vemos aqui é o ERP ter ou não ter esse módulo e de forma integrada
ao restante do sistema.
08) Normatização Técnica
De forma
explícita ou não, geradas dentro da empresa ou não, as Normas estão em todo o
lugar e são a matéria-prima básica da Qualidade nas empresas. Numa visão
operacional, estamos falando aqui de Especificações e de Procedimentos.
Os ERP
devem ter todas as Especificações usadas na empresa. Os ERP devem (em essência)
suportar todos os Processos (os Procedimentos descrevem os Processos) da
empresa. Por que os ERP não são os responsáveis por gerenciar todo o ciclo de
vida das normas na empresa?
O Sistema
Especialista que lida com toda gestão das normas são os ECM (Enterprise Content
Management). Muitos chamam esse sistema ou uma variação dele de sistema de
Controle de Documentos. Eles são muito bons e poderiam estar embarcados nos
ERP.
Os ERP
tem a necessidade de construir Helps das suas operações, que nada mais são que
Normas de uso. Os ERP estão tendo cada vez mais boas bases de FAQs (Frequently
Asked Questions), que facilmente poderiam compor parte das Normas. Muitos bons
fornecedores de ERP estão desenvolvendo e atualizando todas as videoaulas
necessárias para o usuário entender de forma prática o ERP… elas também podem
ser usadas como Normas.
Aqui
existe uma excelente oportunidade para os fornecedores de ERP alavancarem as
suas operações, e, ao mesmo tempo entregar algo de extremo valor para os seus
clientes. Embarque um ECM nos seus ERP.
09) Qualificação dos Fornecedores
Por
favor, chega de vermos os campos de Assiduidade e Pontualidade dos
fornecedores, as vezes com um índice de qualidade do material recebido, e
chamarmos isso de o “magnífico módulo de Qualificação dos Fornecedores”. Não dá
mais!
Um
processo mais comum de Qualificação de Fornecedores se inicia no Recrutamento
do Fornecedor com uma Qualificação Inicial, depois passa por várias etapas de
maturidade no relacionamento entre as partes, com algumas composições de
análise, chegando até ao status de Qualidade Assegurada.
Nesse
caminhar tem Auditorias, análises apuradas dos fornecimentos e todos os fatores
diretamente ligados como está ocorrendo o relacionamento entre as empresas.
Está na
hora de melhorar este processo nos ERP.
10) Databook da Qualidade / Rastreabilidade
Resumindo:
o que aconteceu com esse produto/serviço? Tem que estar contido no Databook da
Qualidade. Quais foram os materiais utilizados, de qual fornecedor, quem fez a
inspeção (data/hora), entre outros. São informações perfeitas para um ERP
fornecer.
De forma
associada ou não, deve ter meios para realizar Rastreabilidade Direta (de um
material saber em quais produtos ele participou) e Rastreabilidade Reversa (de
um produto, saber quais materiais foram utilizados).
Todo ERP
deveria ter esses recursos, mas mais uma vez, estamos com a expressão “deveria
ter” acontecendo mais do que “estão tendo”.
O tema é
abrangente, mas acredito que, ao falar dos dez pontos acima, eu tenha comentado
sobre o que é essencial no que se refere a Qualidade e os ERP.
Agora
basta as softhouses darem um passo a frente nos seus desenvolvimentos e vocês
negociarem com elas meios para atingir as suas necessidades. É mais fácil do
que você imagina.
Mãos e
mentes à obra!!!
Gratuito: Curso EAD de Visão Geral
de ERP
Gratuito: Livro Falando Sobre ERP
Gratuito: Clube do ERP (LinkedIn)
Mauro Oliveira
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